Que a voz de Michael Jackson é privilegiada, isso é incontestável.
Seus detratores, críticos musicais, produtores, professores de música e
seus alunos, profissionais diversos da música, os que o amam, os que o
odeiam e, é claro, seus fãs, são unânimes em afirmar que o alcance vocal
de Jackson é único e sua voz é personalíssima, inigualável.
As características técnicas dessa tessitura vocal com tamanha amplitude
eu deixo para a análise específica de um seleto grupo de “experts” no
assunto. Eu pertenço a um outro grupo, provavelmente bem maior, daqueles
que, embora não sendo especialistas em técnicas vocais, o amam com
grande devoção e, não sendo surdos, conhecem o que é boa música e
reconhecem uma voz especial. Sabemos que Michael treinava sua voz, a
aquecia e cuidava dela como um tesouro, mas sabemos também que essa voz
emergia da alma, como tudo que ele fez.
Mesmo não tendo ouvidos musicais, a minha trajetória gospel me ensinou a
apreciar a boa música e a reconhecer alguns detalhes. Quem já cantou
num grupo vocal de igreja ou montou uma banda no seu tempo de
adolescente sabe do que estou falando. Você passa a ficar mais seletivo,
seus ouvidos percebem melhor e distinguem mais facilmente sons como
instrumentos vocais, arranjos, back vocals, subidas e descidas das
vozes nada muito científico, apenas a capacidade de maior sensibilidade
para ouvir.
Pois bem, foi essa percepção mínima, não muito aguçada nem sequer
especializada que me conferiram hoje, o direito de falar da voz de
Michael Jackson.
Primeiro,
porque eu o conheço e o amo desde quando éramos crianças sim, já devo
ter falado isso mais de uma vez, somos contemporâneos – crescemos
juntos, adolescemos juntos, adultecemos juntos e ambos mantivemos o
jeitão criança de ser. Acho que morremos juntos, pois parte grande de
mim se foi naquele 25 de junho…
E é do tempo de menina minha primeira memória auditiva de Michael,
quando ainda no Jackson Five, a interpretação angelical de criança por
vezes assumia uma forma quase adulta, algumas reviravoltas na voz, uns
lances assim tão maduros… Mas foi quando ouvi “One Day in your life”
que me apaixonei de vez.
Aquela voz comunicava uma emoção que me contagiava e me fazia sentir
como ele, ou pelo menos, como ele queria que eu sentisse.Sim, aquela voz
tinha esse poder.Porisso chamo a minha fala de “
um registro apaixonado”
sobre o impacto que essa voz causa em mim: me transmite calma e ânimo,
me instiga a pensar e me impulsiona a agir, me mantém viva.
Eu te convido a ler esse texto e a viajar por algumas músicas que
Michael Jackson interpretou. Para aproveitar melhor a viagem, desnude-se
do preconceito e vá saboreando o menu que se apresenta.
Pra mim, leiga no assunto, ele tem muitas vozes, da aguda ao tenor
possante, em todas as formas que se apresenta estão lá as marcas
identitárias de Michael Jackson: a entrega total à sua arte, a
intensidade, a sensualidade natural, entre outras. Mas os especialistas
advertem- é uma só voz, dotada de grande amplitude, parecendo ser
várias. Mas, voltamos à minha visão apaixonada.
Sua
voz comunica movimento, mais do que isso, sua voz dança. É isso mesmo,
costumo dizer que em Michael Jackson a voz dança e o corpo canta.
Experimente assistir a um vídeo dele dançando sem som. Se você conhecer
ao menos um pouco do seu repertório, saberá qual é a música, pois o
corpo a interpreta com minúcias. E se apenas ouvir sua voz cantando
virão em sua mente os movimentos. Sei que você dirá: Mas isso é óbvio,
em se tratando de Jackson, pois ele produziu muitos vídeos clipes (short
films) e, ao ouvir a música, é instantâneo evocar a imagem. Eu te
responderei então: A maioria das centenas de músicas que ele deixou
como legado não tem vídeos, pelo menos, oficiais,mas tente ouvir “
Shake your body” sem sentir os movimentos. Conseguiu? É impossível.
Sua voz, como nenhuma outra, traduz emoções. Parece redundante dizer
isso de um cantor tão expressivo como Michael, mas que outra voz se
utilizou de tantos recursos para expressar o amor e o ódio, a solidão e o
excesso, a paz e a guerra…? Estão registrados na história musical os
gemidos dolorosos de quem chora um amor que se foi, de quem amarga a
solidão mesmo em meio à multidão, de quem se revolta pelos elefantes
dizimados, pelas florestas incendiadas; estão ali os sussurros aos pés
do ouvido, a respiração ao microfone, o estalar da língua, o soluço, os
gritos enrrouquecidos pedindo socorro ao planeta, ensandecidos
denunciando o abuso da mídia,que, sem parcimônia e respeito, invade sua
privacidade e, pior que tudo, produz infâmias sobre ele. Não faltam
também os gritinhos agudos e brincalhões, zombando de quem leva a vida
muito a sério.
Esse Michael!!!!! Tente ao menos, não sentir paixão
alguma ouvindo “
Fall again” ou o mínimo de compaixão ao ouvir sentir a autobiográfica “
Childhood”.
Sua voz derruba teorias. E ele, corajoso como só, não tem nenhum pudor
de exibir a voz agudíssima, algo tão inédito para uma interpretação
masculina, ainda mais de um cantor negro, da América tão cheia de
hipocrisias e de falso puritanismo. Ele ousou desafiar o que estava
posto e se fez único. Uma voz nem tipicamente feminina, nem propriamente
masculina. Uma voz só dele, sem comparações, indecifrável e múltipla
como só ele soube ser e, como ele próprio, não cabe em nenhuma categoria
de classificação. A voz é maior que as escalas classificatórias, não se
encaixa nos conceitos, menos ainda nos preconceitos.
Sua voz desenha. Quando eu o ouço, é como se ele utilizasse a voz assim
como o pintor pega o pincel e fosse desenhando: linhas curvas e retas,
arabescos, escadas que vão até as nuvens, sonhos impossíveis. E vai
colorindo tudo também: a voz produz uma gama infinita de tons e matizes
diversas, verdadeira aquarela musical. Mesmo quando a voz soa triste,
nunca é cinza ou sem cor, pois diante dela, até a tristeza tem cores,
suaves e pálidas, mas ainda assim estão lá. Nas músicas mais ritmadas e
alegres, há um mosaico multicolorido, caleidoscópio perfeito e dançante.
Sua
voz conclama. Chama os cidadãos à luta. Ela denuncia e anuncia também,
pois como disse Paulo Freire, não basta a denúncia sem o anúncio. A voz
esbraveja que o planeta está doente (
Earth Song)
denunciando a ganância do homem, mas essa mesma voz apresenta a solução
e dá o anúncio da saída: a voz firme, pausada, ritmada e segura chama o
homem do espelho à corresponsabilidade (
Man in the mirror)
e lhe diz: Tudo começa com você. Toda mudança começa com o homem do
espelho. E ainda lhe impõe o dever de compartilhar a cura do planeta (
Heal the World).
Uma voz tão docemente convincente que impossibilita o não atendimento
ao seu chamado e lá vamos nós, bandeira em punho, unidos na utopia de
curar o mundo já tão sem jeito, e agora, também sem ele.
Sua
voz seduz. Não bastassem todos os apelos irresistíveis, ainda mais
esse. A voz é magnética e tem sexualidade própria: novamente os
gemidos, os sussurros, os soluços….mas isso todo cantor pode fazer.
Michael consegue ser sensual indo além do uso dessas artimanhas. Ele até
utiliza muito esses recursos, mas eu quero dizer é que a sua voz soa
sexy mesmo sem que ele queira. O tempo todo, e em todas as músicas. Me
perdoem os homens, mas às vezes acho que só nós mulheres percebemos
essas nuances. É uma voltinha na voz, que brinca com nossos
sentimentos; é um estalo da língua que parece que a gente até pode
vê-la tocando o céu da boca; é uma frase repetida em outro tom assim
casual calculadamente; é aquele jeitinho de cantar chorando que mata a
gente; é aquela voz que rasga, engasga, parece que a palavra entala na
garganta dele e, quando sai, é pura magia; são as oscilações da altura,
que mexem com a nossa imaginação; são esses e outros detalhes que não
consigo descrever. E o curioso é que esse perfil sexy da voz de Michael
está presente quando a voz é metálica, mais fria, quando é quente,
rouca, poderosa; quando está bravo e eu chamo de “voz de galinho de
briga”, que eu adoro; ou quando é de uma candura que não existe igual,
que é a sua faceta “sweet Angel”, mais sexy ainda!!!
E aquele soprinho no microfone: O que é isso???? Arrepiante…Me faz
acreditar cada vez mais, que Deus criou mesmo o homem a partir de um
sopro nas narinas.
Sua voz transmite respeito aos seus fãs, canta o que eles querem ouvir, isso deixou sempre claro, até a derradeira
This is it!
Somos gratos a Deus por esse homem que foi um instrumento bem afinado,
que teve a capacidade de aliar a transpiração do trabalho árduo dos
ensaios, exercícios vocais, horas a fio em estúdios com a inspiração
divina do dom a ele conferido, que teve a a habilidade de transformar
esse dom em arte e a compartilhá-la conosco. Sua belíssima voz é um
presente a todos que o amamos e também um legado à humanidade e está
eternizada nas suas canções.
Thanks, Michael. God bless you!
Maio/2011
Fonte: http://falandodemichaeljackson.wordpress.com/2011/08/22/a-voz-de-michael-jackson-um-registro-apaixonado/
Fonte original :
Recanto das Letras